quinta-feira, 28 de março de 2013

Infância


Adoro beber chá; detesto estudar funções; gasto histeria idiota jogando; legal mesmo: nunca olhar para Quitéria; resta somente tentar usurpar vocês.
Xico Zélio.

quarta-feira, 27 de março de 2013

Nós vamo invadir sua praia! - Primeira parte



-Como assim não posso levar meu filho mais cedo?
Aquele dia estava sendo um inferno no jardim de infância, Becky parecia ter acabado de limpar um pavilhão de exposição de carros monstro após uma explosão simultânea de óleo, e que após isso estivera na linha de frente em uma terceira guerra mundial... Ela costumava ser meiga, porém aquele dia seria difícil convencê-la de liberar qualquer um; enquanto conversava com um dos pais as crianças gritavam na porta atrás dela, os óculos estavam tortos e embaçados e uma mecha do cabelo pendia sobre o rosto, se movendo de acordo com sua respiração enfurecida, pelo vidro da porta era possível ver crianças flutuando, um deles estava sobre a mesa apontando uma pistola de desintegração para os colegas de turma enquanto vasculhava a bolsa de couro falso da professora – Achei! – Ele gritou com a chupeta no canto da boca abafando o grito, ergueu o que procurava e as crianças caíram ao chão uma a uma.
-Eu já disse, não posso liberá-lo agora! Pelo menos não AGORA! – Houveram mais alguns gritos quando o raio laser voltou a ser apontado para a criançada – Estou com um pequeno probleminha lá dentro e... Eu não posso parar tudo agora... E-eu, preciso realmente voltar lá, sinto muito – Ela abriu a porta, o garotinho escondeu a arma dentro da bolsa, chorou como se fosse a vítima, ela parecia não saber por onde começar, pegou os potes de tinta do chão, tentou limpar o excesso da bagunça, ouviu mais berros, mais choro, todos chamavam “professora” ao mesmo tempo, ouviu o rugido do motor, socos, tapas, mais berros, a borracha dos pneus queimando no asfalto, pontapés, as tintas voltaram ao chão, mais choro, e os vidros se estilhaçaram sobre o para choque daquele mustang 68 vermelho e branco.
-Entra aí! – O carro pousou sobre um grupo de mesinhas coloridas, o para brisas estava enfeitado com um varal de desenhos à guache, as crianças ficaram espremidas num canto, atônitas, Becky estava sobre elas, as protegendo, o suposto pai saltou do carro e puxou a criança agarrada a bolsa de couro falso e a lançou pela janela para o banco do passageiro.
-Você não pode fazer isso! Quem é você? Isso é sequestro! – Becky berrou, o pequenino abaixou o vidro da janela do passageiro e fez o gesto obsceno com o dedo para a professora. Os pneus cantaram novamente e a marcha ré foi ativada, o carro rolou as cadeiras e mesinhas para o jardim do colégio numa manobra rápida e se lançou contra os arbustos que separavam o jardim da rua, Becky correu à secretária, sacou o telefone vermelho e discou para a delegacia. – Foi um sequestro! Ele invadiu o jardim de infância e levou uma criança em seu mustang! – Ela gritou sem respirar entre as palavras. A policial pediu para que ela se acalmasse, que dissesse onde estava e que tudo ficaria bem.

terça-feira, 26 de março de 2013

Chamas que ardem, chamas que apagam...


Suas mãos se agitavam, na cadeira, tremiam, velhas, ossudas e pintadas de sardas escuras... Balbuciava, olhava o nada, meio cego, ou talvez com os olhos já não mais materiais, não levantou-se, não uniu-se ao grupo de idosos que recepcionavam as crianças, nem sequer olhou para trás, desligou-se, sentado de frente para uma janela imensa que dava ao jardim, lugar que não frequentava havia semanas, a colcha de retalhos sobre as pernas tremia, suava, chorava, babava? O que quer que fosse estava úmido e pálido; dormindo? Não... Estava atento, não se sabe a o que, mas estava...
            Elas poderiam ter escolhido qualquer um ali, a senhora de cabelos alaranjados, que distribuía balas, o velho ranzinza cujo desafio entre as crianças era fazê-lo rir, um ex-militante com dezenas de histórias para contar... Tantos ali tão interessantes, tão mais atraentes aos olhos astutos de criança, mas não...
-Aqui está seu remédio – A enfermeira se apoiou na cadeira de rodas do velho, ele não tirou os olhos da janela, virou o copinho plástico, engoliu seco e forçado, depois voltou a balbuciar, os paços pesados do menino seguido por seu colega ruivo e avoado, ecoaram em seus ouvidos que já ouviam de forma distorcida, as imagens piscaram em suas retinas, os paços das crianças tornaram-se o trotar dos cavalos arrancando a relva do pequeno bosque, o velho chalé na montanha e os cavalos selvagens, búfalos e alces que o circulavam, a aurora invadindo seu lar pela janela, sua amada preparava-lhe o chá de ervas.
-Podemos fazer algumas perguntas para vo... O senhor – Corrigiu-se o menino pela grosseria, o senhor tinha um sorriso de canto de lábio, vendo sua esposa servir-lhe uma xícara do chá, sentia o sabor, o aroma, ainda esquentava-lhe os dedos e o interior... A fumaça aconchegara-lhe o rosto porém dissipou-se e levou consigo as lembranças, o velho inclinou a cabeça e os olhos enxergaram os meninos embaçados.
-O que querem? Não vêem que estou fora do grupo que pretendem entrevistar?
-Mas o senhor está na mesma sala que os outros...
-Mas não no mesmo ambiente, entenda... Ali há pessoas mais interessantes...
-Mas me parece que o senhor é tão interessante quanto...
-Você não sabe o que diz garoto, não tenho nada a contar... Você não sabe, você não sabe se tenho e...
-Seus olhos dizem que tem...
-Eu... – O velho foi pego de surpresa, tornou a olhar para o crepúsculo avisando o início da noite, ele lembrou-se da cena, o bafo quente tomou seu corpo, a fuligem, o cheiro de fumaça, o chalé tomado por chamas... Sua armadura estava chamuscada pelo último sopro de um dragão com o qual lutara desde jovem, quando finalmente cravara-lhe a espada em seu peito escamoso, o dragão matara sua princesa amada... – Eu não tenho nada a dizer...
-Você foi um herói não foi?
-Não! Eu não fui! – Lacrimejou.
-Minha mãe me disse que o senhor era um grande herói... Minha mãe me disse que salvou muitos, que era um guerreiro...
-Não... – O velho empurrou a porta de vidro a sua frente, foi ao jardim, o vento estava forte e gélido, a tosse invadiu seus pulmões, fora advertido a não sair, mas desobedecera, queria respirar um ar puro... O menino seguiu-o sem muito pensar, o ruivo não notou, não estava interessado, permaneceu na sala... Para ele era só um velho ranzinza e com cheiro de remédios, mas o menino não se importava com seu cheiro forte, nem com sua forma de fugir de tudo o que ele dizia, ele sabia que ele fora um dia, ele o admirava e queria ser como ele... – Eu não pude salvá-la... – O velho disse antes que o menino se colocasse a sua frente.
-Você fez o que pode... Minha mãe disse que não desistiu, que tentou tirá-la de lá... Ela disse que você salvou muita gente...
-Não...
-Você tem medalhas, eu já as vi, já te vi no jornal também... Eu quero ser como você quando crescer... Mamãe me deu uma farda no natal passado! Sabia?
-Para! Eu não sou exemplo para ninguém! Eu a deixei morrer!
-A vovó tem orgulho de você vovô... Onde quer que ela esteja... – O menino abraçou-o e voltou para a sala de estar do asilo para idosos... O velho inclinou-se e chorou... Lembrou-se exatamente da cena, salvara tantos aquela noite, mas não conseguira salvar sua amada das chamas, o caminhão chegou tarde demais, moravam num chalé num local de difícil acesso, ela adorava aquele lugar... Os olhos não quiseram mais ver, quiseram apagar aquilo tudo, ele não pode salvar quem mais amava... Abandonou a farda, se isolou, estava morrendo, por dentro, por fora... A chama matará sua esposa, e a falta dela matou o esposo... A chama apagou-se naquela mesma noite, no dia seguinte, entre lágrimas de orgulho e tristeza o menino foi aplaudido por seu trabalho em homenagem aos bombeiros, em especial ao seu avô, seu maior super herói...

-Mamãe?


-Mamãe? – Rompi o véu que me envolvia, que me envolvera durante tanto tempo, que me guardara, que me polira e transformara... Reneguei aquele meu pequeno mundinho, solitário, guardado por mamãe, cuidado e acariciado... Fugi por um instante do aconchego, do escuro, do barulho do vazio e das risadas longínquas de mamãe, da voz de papai, das músicas que embalavam-me... Dos sons do meu coração, dos sons do coração dela... Rompi com minha pequena visão, busquei a luz no final do túnel... Rompi o véu que me guardava, o véu que me educava. – Mamãe? – Eu gritei quando saí... Mas não havia mais ninguém, não havia nada além de luz, não havia nada além de imensos olhos, não havia nada além de sons, não mais corações, mas titaques, mas barulhos de maquinários; não estava mais quente, agora era tudo frio... Havia dezenas de olhares, todos sorriam, falavam coisas que eu não conseguia entender, me passavam de lugar para lugar, me molharam, me envolveram num novo véu – Mamãe? – Eu tentava chamar, mas ninguém me ouvia... – Mamãe? – Eu buscava com o olhar, eu ansiava voltar para onde eu estivera, anelado, cuidado, exortado... – Mamãe? – Fui passado por todos... Até estar ali, ao lado do toque de seu coração, anelado por seus braços, ao ouvir a voz de papai, ao sentir o calor de mamãe... Mas agora, já era hora de partir... Rompi o véu que me envolvia, durante tanto tempo, que me guardara, que me polira, que me transformara e educara... – Mamãe? – Eu disse, mas não mais a achei, agora tinha eu que ser mamãe, tinha eu meu próprio véu... A família.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Frustração - Momento Poético

Ao abrir uma embalagem
de algum delicioso alimento
sei que o último pedaço
tem que ser o melhor momento.
Delicio-me a cada mordida
a expectativa crescendo em mim
gostoso, cremoso recheio
é você que deixei para o fim.
Ritual de encerramento
chegou a hora da felicidade,
mas então percebo que o alimento
não é como dizem na embalagem.
Preparação desnecessária,
a verdade vem à tona
meu paladar detectou
que esse recheio é de acetona.
Mas que brochada decepcionante
saber que tudo pioraria
pois o sabor do último pedaço
é o que fica o resto do dia.


Por Karina Ribeiro

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