Minhas asas estão velhas, entorpecidas... Ainda eu as tenho,
mas já não posso mais voar; como se estivesse preso em minha própria gravidade,
em minha própria solidão sólida... Estou preso nessa estrela já não sei há
quanto tempo, parei de contar depois do terceiro milênio, Meus cabelos antes
negros e tão longos quanto à vastidão do universo já caem, tornam-se alvos,
meus olhos antes astutos como os de uma águia estão cegando-se pouco a pouco,
meus lábios antes prontos a tudo dizer, agora estão secos, estão sedentos, já não
agüento ouvir mais minha voz respondida por meus ecos, quero uma voz doce e
suave na ponta do ouvido, quero uma voz grave e penetrante apitando em meu cérebro,
mas de tanto pouco usar minha audição é como se eu a tivesse perdido, minha
pele, antes pálida, agora é queimada, é frágil, de tanto tempo sentado sobre a
luz forte desta estrela, minhas mãos antes prontas para atacar com espadas
afiadas, hoje fraquejam, tremem... Aquele pequeno beija-flor antes em meus
ombros, hoje já não canta, hoje já não voa... Hoje já não vive mais... Já eu...
Sou permanente, sou duradouro... Eu sou Dante, mas nem se quer queria ser...
Deito-me encolhido, apertando-me, dormindo abraçado a mim
mesmo, protegendo-me do frio que me anseia, mesmo sobre o calor da estrela que
me carrega, sou para ela como um piolho em cabeça humana, sou para ela apenas
uma chaga que impede sua luz de brilhar por completo, sou como um cisco em seu
olho, uma poeira em sua celha. Minha fome eu já não sinto mais, minha sede é
saciada por minhas lágrimas, mas e meu amor? Dizem que anjos não sentem, e
realmente não deveriam, pois sentir é apenas um atraso, sentir é ora sentir
amor, alegria, mas em todo o resto do tempo sentir ódio e tristeza, mas eu não
dei ouvidos ao que me disseram, eu invejei os humanos, quis ser como um deles,
quis sentir e ser sentido, não apenas mais um ser sem sentido, sem sentidos,
sem sorrisos... Quis ser amado, por mais que eu já fosse... Mas eu nunca havia
percebido, nunca havia notado que era mais querido em meu emprego por mim
julgado medíocre e tedioso, pois agora sei o que é sentir tédio, sei o que é
ser medíocre, pequeno, castigado, ser uma chaga sem cura e ao mesmo tempo tê-la
dentro de você... Saber que sou eu meu próprio medo, meu próprio receio, meu próprio
companheiro e minha própria ausência...
Certa vez ouvi uma conversa com um deles, um dos humanos,
foi pedido que saísse de sua tenda, que olhasse o céu, que contasse as
estrelas, mas era impossível saber ao certo quantas haviam, eram muitas, tão
distantes que não se pode ver todas em uma só vista, eram pequenas luzes,
pequenos furos na lona que chamam de céus, assim eles pensam... Mas é ainda
maior, ainda mais longínquo, cada uma em sua infinita solidão, iluminando a si
mesma, e o que quer que seja iluminado... São apenas lamparinas solitárias,
belas... Porém também ouvi certa vez, que da tristeza se tira a poesia mais
bela, sendo assim, estrelas são tristes, e eu agora, sou parte de uma...
Minha luz ainda deve brilhar, mas sou tão pequeno nessa
estrela, que ela se perde em todo o brilho que me rodeia, minha força estava em
algo que um dia eu desdenhei, a família... Meu poder, talvez nunca tenha
existido, mas não deveria importar, o amor é o maior poder que se pode
conseguir, minhas posses, são minhas pernas para correr, meus olhos para ver,
minhas mãos para sentir, mas nada disso possuo mais, nada disso posso ter, por
mais que estejam aqui, grudados, são apenas partes e não mais partes de mim, eu
deveria ser Dante, o permanente, o duradouro, mas agora sou estrela... Eu
deveria ser eterno, mas minha vida já não brilha mais... Eu deveria ser anjo,
mas anjos não sentem, anjos não choram, anjos não morrem... Eu deveria ter
casa, mas agora minha casa é aqui, em mim mesmo, em meu castigo, em minha
morte, em minha estrela...
Eu deveria ser livre como um beija flor, mas hoje já não
canto, já não vôo, hoje já não vivo mais... Deixei de ser Dante, de ser eterno,
duradouro, permanente...